"E os que recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra e a recebem, e dão fruto, um a trinta, outro a sessenta, outro a cem, por um." (Marcos 4:20)



Águia ou Galinha

Em Estórias de Bichos, Rubem Alves fala de

uma águia que, criada num galinheiro, foi

crescendo ali, convencida de que era galinha.

Bem diferente das outras – grandalhona,

olhos frontais, bico adunco e grande demais, asas

enormes –, tentava a todo custo imitar o que as

galinhas faziam.

Até que um dia um alpinista, passando por

ali, surpreso perguntou-lhe:

- Que é que você, águia, está fazendo no meio

das galinhas?...

- Não me goza. Águia é a vovozinha. Sou

galinha de corpo e alma, embora não pareça.

Percebendo que argumentar seria pura perda

de tempo, colocou-a num saco e seguiu seu

caminho até as montanhas. Lá bem no alto, sacudiu

o saco e deixou-a cair, Não tendo em que se

agarrar, debateu-se apavorada, até que a águia, “há

muito tempo adormecida e esquecida” dentro dela,

“acordou se apossou das asas e de repente voou...”

Essa estória, embora muito interessante, não

passa de lenda. Uma águia jamais se sujeita a levar

a vida medíocre de uma galinha, e muito menos se

deixar prender num galinheiro.

Tudo que uma águia tem em comum com

uma galinha são asas, bicos, pés, garras, e penas.

Pertencem ambas à espécie das aves. E as

semelhanças param por aí. As diferenças, sim, é

que nos interessam, pois, no que diz respeito à

natureza de ambas, nada têm em comum.

A galinha, temerosa, foge ao primeiro sinal de

perigo. A águia, intrépida, enfrenta o perigo; não se

deixa vencer.

“...Deus não tem nos dado espírito de

covardia, mas de poder...” (2Tm 1:7). Deus quer

nos libertar do espírito temeroso, próprio da

galinha, e nos dar a intrepidez e a coragem da

águia.

A galinha se sujeita a ficar presa; se acomoda

ao cativeiro. Com um simples barbante se prende

uma galinha ao pé de uma mesa. A águia, não. Ela

não aceita o cativeiro. Ela tenta romper o laço; se

não o consegue, tenta cortar o pé da mesa; e se

ainda assim não se liberta, debate-se até cortar os

pés. Voa sem pés, mas se nega a perder a liberdade.

Ninguém jamais viu uma águia numa gaiola,

nem mesmo num zoológico.

Não nascemos de novo para viver confinados

no terreiro de uma vida medíocre. “Pra a liberdade

foi que Cristo nos libertou... não vos submetais de

novo a jugo de escravidão”. (Gl 5:1).

Águia e galinha têm asas. Mas galinha

doméstica não voa. O vôo mais alto que empreende

é para pular uma cerca. Se a soltamos de um

telhado, por mais que se esforce, acaba no chão.

Aliás, suas asas só lhe servem para suavizar a

descida. Só sabe viver no rasteiro, ao nível do chão.

A águia não. Suas asas a levam acima das nuvens;

levam-na ao seu habitat natural – as alturas.

“Habita no penhasco onde faz a sua morada

sobre o cume do penhasco, em lugar seguro” (Jó

39:28).

Deus nos fez para alçar vôo. Ele não deseja

que seus filhos vivam rastejando. “... os que

esperam no Senhor... sobem com asas como

águias...” (Is 40:31). Sobem como (... a águia que

voa pelos céus” (Pv 23:5).

Quando uma tempestade ameaça cair, a

galinha corre para um abrigo. A águia, ao contrário,

adora um vendaval, porque quanto mais forte o

vento, mais alto ela voa. Vale-se das intempéries

para desenvolver suas asas, vigorá-las ainda mais

poderosas. “Seu vôo é impetuoso”. (Dt 28:49).

E para nós, uma “tempestade” é uma ameaça

ou um desafio? Diante da adversidade escondemonos

e deixamos escapar a oportunidade de “subir”

espiritualmente?

O mundo da galinha se resume a poeira, lama,

sujeira. O da águia não tem limites. O seu limite é o

céu.

No seu cântico, Ana declara:

“O Senhor... levanta o pobre do pó, e desde o

monturo exauta o necessitado...” (Sl 40:2).

“Ele ergue do pó o desvalido, e do monturo, o

necessitado” (Sl 113:7).

O projeto de deus para nós começa

exatamente aqui: tira-nos da lama, do monturo, e

firma nossos pés na Rocha que é Jesus. Mas não

pára aí. Descortina diante de nós um mundo de

possibilidades para que possamos crescer e voar.

A águia é fiel por natureza. Só aceita um

único macho durante toda a vida. A galinha se

sujeita a compor o “harém” de um galo.

Quando me deparo com um jovem que se

gaba de ser conquistador, ou uma moça que cada

dia está com um namorado, sou obrigado a concluir

que de “águia” os dois não têm nada.

A fidelidade é traço característico das águias de

Deus, porque “Deus é fidelidade...” (Dt 32:4).

Ambos são candidatos a viver nas limitações de um

“quintal” espiritual, a menos que se proponham a

ser uma águia de Deus, rompendo com a sujeira em

que estão metidos.

Galinha é domesticável. Águia não. Ninguém

jamais conseguiu condicionar uma águia aos

limites de um terreiro e fazê-la acomodar-se a uma

vida ao nível do chão. É selvagem por natureza.

Deus quer nos tirar das limitações do

“quintal” da derrota e da mediocridade e nos

transportar para os penhascos da vitória.

Galinha se reproduz até em chocadeira, de

forma artificial. Águia, só segundo os ditames da

natureza. Por isso é tão peculiar. Não se reproduz

em série. Existe um sem número de espécies de

galinha.

A águia é espécie rara.

O destino da galinha, coitada, é a panela ou o

espeto. Águia, ao contrário, não é alimento. É

devoradora. Está ainda por existir quem saboreie

um espetinho de asa de águia.

Galinha é caça. Águia é caçadora. Os

israelenses eram proibidos de comê-la (Dt 14:12).

Galinha tem olhos laterais. A águia, não. Seus

olhos são frontais.

Galinha só enxerga de dia. Quando o sol se

pões, vai para o galinheiro ou poleiro, condenada a

virar canja de raposa, cachorro ou gambá. A águia

enxerga tanto de dia como de noite.

Águia é vigorosa; galinha, frágil. Facilmente

se hipnotiza uma galinha; basta que alinhemos

alguns grãos de milho, numa extensão de uns três

metros. Ela não consegue pegar sequer um. Fica

totalmente desnorteada, estática, tonta. Muitos de

nos se deixam hipnotizar por satanás, porque têm

visão lateral. Não fixam ambos os olhos em Jesus.

Por isso deixam de ser caçadores e se tornam caça.

Galinha é medrosa. Águia é destemida,

corajosa.

Quando adoece, a galinha fica de asas caídas,

jururu, dependente de socorro. Ninguém jamais viu

uma águia doente. Quando debilitada, reúne todas

as forças que tem para se refugiar no alto. Não fica

por aí à espera de piedade. Autocomiseração não

combina com a águia.

Galinha morre cabisbaixa. A águia, quando

pressente a proximidade da morte, empreende o

último vôo, solitário, e sobe o mais alto que suas

forças lhe permitem, para morrer voando. E cai no

deserto, em alto mar ou plena selva.

Galinha se alimenta de milho e restos. A

águia, do alto, seleciona a presa. E desce como uma

flexa sobre ela. Aquela aprecia minhocas, insetos

mortos, fezes, escarros. Esta não toca nada podre

ou em decomposição.

“Habita no penhasco... Dali descobre a

presa; seus olhos a avistam de longe” (Jó 30:28-

29).

“... Voam como águia que se precipita a

devorar” (Hc 1:8)

Deus tem, igualmente, o melhor para aqueles

que se negarem a ter a visão limitada de uma

galinha. Sua promessa é que, se quisermos, e lhe

dermos ouvidos, comeremos o melhor desta terra

(Is 1:19).

Mas, infelizmente, há cristãos que só se

alimentam de restos. Só comem sobras dos outros,

porque não buscam alimentar-se direto da mão de

Deus.

Fomos certa vez a uma fazenda, e logo que

nos aproximamos de casa vimos ali muitas

galinhas, frangos e pintinhos soltos pelo quintal.

Lá dentro, num dos quartos, um homem

tossia; aquela tosse seca, angustiante, como se

fosse engasgar ou seu pulmão sair pela boca.

Conservávamos animados ali no terreiro,

quando o homem chegou à janela, tossiu, raspou a

garganta e deu aquela cusparada no chão.

E foi aquela correria. As galinhas se

atropelando, bicando umas às outras, para disputar

o escarro do velho. Que cena nauseante.

Demos um jeito de sair logo dali e fomos

conhecer as demais dependências da fazenda. Mas

o pior estava ainda por acontecer. À hora do

almoço, sentamo-nos à mesa, e a dona da casa, toda

satisfeita disse:

- Olha, preparei umas galinhas caipiras que

peguei lá no terreiro especialmente pra vocês.

Nunca vi uma galinha dançar tanto no prato,

pra lá e pra cá.

“Deus”, pensei comigo, “que coisa mais

degradante é ser galinha. Nem espiritualmente

gostaria de ser comparado a uma ave dessas”.

Deus nos fez águia. Será que nos deixamos

confinar num terreiro, e estamos assimilando o

“espírito galináceo”?

O mundo tenta nos seduzir com seus

grãozinhos, suas minhoquinhas, seu lixo, para nos

manter presos ao chão, à lama. E muitos de nós

têm-se alimentado do seu lixo. É só olhar o que

andam lendo e vendo na tv. Mas quem tem a

natureza da águia levanta vôo e lá “dos lugares

celestiais” escolhe com critério com que se

alimentar, porque prefere o cardápio farto e

selecionado da verdade de Deus.

Ao contrário da galinha, que faz seu ninho no

chão ou numa moita qualquer, a águia constrói o

seu lugar inacessível, na encosta de um rochedo,

bem lá no topo, fora do alcance de qualquer

predador.

“...remonta a águia e faz alto o seu ninho” (Jó

39:27).

“Se te remontares como a águia, e puseres o

teu ninho entre as estrelas...” (Ob 4).

Ninho de galinha é feito de pena e capim. Da

águia também. Mas sob o capim e as penas,

retiradas do próprio peito, ela coloca uma camada

de espinhos.

Nosso “ninho” também tem “espinhos”. Deus

os coloca ali para nos incomodar e forçar-nos a

voar.

O apóstolo Paulo, por três vezes, pediu a

Deus que o livrasse de um espinho, e recebeu a

seguinte resposta:

“A minha graça te basta, porque o poder se

aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 12:9).

E quem era Paulo? Homem cujos lenços e

aventais, postos sobre enfermos e pessoas

possessas, os curavam e libertavam (At 19:12).

O nosso ninho tem que ter espinhos, para que

não nos acomodemos, para que levantemos

colocados ali pelo Senhor, que nos impulsionam

para o monte da oração, do jejum, do

quebrantamento.

É hora, portanto, de sairmos do ninho e

aprendermos a voar – com Deus!

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